Jean-Paul Sartre e Simone de Beauvoir...
...viveram à frente do seu tempo. Tiveram um relacionamento de mais de 50 anos, sem nunca terem se casado ou vivido juntos. Marcaram o pensamento moderno com suas obras e destacaram-se como ativistas políticos na segunda metade do século XX. Ele criou o existencialismo, ela o feminismo.
Adeptos de amores “contingentes”, para Sartre e Beauvoir “fidelidade” era sinônimo de compromisso com a verdade – base do amor “absoluto” que tinham um pelo outro. As mentiras, ou “meias-verdades”, como dizia Sartre, só cabiam nos amores contingentes, aqueles não essenciais, apenas circunstanciais. No amor absoluto, não havia lugar para segredo, nem privacidade, que, para o casal, eram atributos de uma “hipocrisia burguesa”.
Muitos foram os amores contingentes vividos por ambos. Sartre teve várias mulheres por longos anos, algumas delas sustentadas por ele até sua morte. Não só financeiramente as ajudava. Algumas eram atendidas regularmente em sessões de psicanálise realizadas por ele mesmo. Wanda, Dolores, Michelle, Lena e Arlette foram seus relacionamentos mais marcantes. Nenhum deles comparável, em intensidade e permanência, ao que teve com Simone, seu verdadeiro amor. Só com ela a cumplicidade era total. Era com Simone que Sartre tinha intermináveis e prazerosos tête-à-tête, em que falavam de literatura, filosofia, política, assuntos domésticos e, claro, de suas intimidades. Partilhavam confidências de suas relações amorosas, das mais consistentes às mais fugazes.
Sartre era um homem altamente racional, mas extremamente chauvinista na arte de seduzir. Esteticamente desfavorecido – era baixinho, vesgo e barrigudo – fazia de seu dom com as palavras arma infalível para arrebatar corações. Também usava e abusava do humor em suas conquistas amorosas. Algumas de suas mulheres enlouqueciam literalmente, ao sentirem-se não correspondidas na paixão que Sartre lhes provocava. Uma delas, Cristina, jornalista brasileira de 25 anos, que entrevistara Sartre em Recife em 1960, entregara sua virgindade a ele, então com 55 anos. Machista por natureza, Sartre era avesso ao homossexualismo. Já Simone, conforme revelaram suas cartas a Sartre – publicadas postumamente – teve várias experiências com mulheres. Mas foi marcada mesmo por seus romances com homens, entre eles, Laurent, Algren e Claude.
A filosofia existencialista, sistematizada por Sartre e difundida por ele mundo afora, marcou a vida do casal. O existencialismo sartreano procura explicar todos os aspectos da experiência humana. Para Sartre a “existência precede e governa a essência”. Uma doutrina que “não tratava de possibilidades ou intenções, mas sim de projetos concretos”. E isso era aplicável também ao amor. Dizia Sartre, “não existe amor a não ser o que se constrói”.
A idéia de liberdade era parte integrante da vida de Sartre e Beauvoir. Dizia ele, “o homem é condenado a ser livre”. Dizia ela, “toda tentativa de evitar nossa liberdade é má-fé”. Tinham uma preocupação comum que balizava suas vidas: como fazer o melhor uso possível da liberdade? Quando jovens, priorizaram a liberdade individual. Mais tarde, quando se tornaram personalidades públicas, Sartre e Beauvoir produziram uma literatura altamente engajada. Pacifista e comunista, Sartre foi um apologista do stalinismo. Manteve laços estreitos com a antiga União Soviética, inclusive um longo caso amoroso com uma russa, Lena Zonina. Esteve com Beauvoir em Cuba, logo após a revolução, em companhia de Fidel Castro e Che Guevara. Já sexagenários, participaram ativamente das manifestações estudantis de 1968 na França.
Marcados profundamente pela guerra e pela ocupação nazista da França, foram acusados de antipatriotas – pelo apoio manifestado à independência da Argélia, então colônia francesa – e submetidos a um exílio em seu próprio país. Desde jovens eram obcecados com a idéia de posteridade – o que Sartre chamava de “ilusão biográfica” –, com o valor que suas obras e relatos de vida teriam para a humanidade.
Visionários da importância do que tinham a dizer para o mundo, Sartre e Beauvoir produziram uma vasta bibliografia, que inclui romances, contos, ensaios filosóficos, dramaturgia, novelas e artigos para revistas e jornais. Trabalharam com obstinação e disciplina. A biógrafa de Sartre conta que ele chegou a passar cinco noites em claro – a base de remédios – para concluir um ensaio. Não gostava de cadeiras confortáveis, que pudessem “corromper” o usuário, tamanha era sua disposição para escrever. Morreu em 1980 aos 75 anos. Beauvoir, seis anos depois, aos 78. Não sem razão, a história reservou a eles um lugar à altura do que foram para sua época e do que representam suas obras para o pensamento moderno.
FONTE: Tête-à-tête, de Hazel Rowley (Rio de Janeiro: Objetiva, 2006).
Muito boa lembança Antonio!
ResponderExcluirNosso velho amigo Sartre é uma presença necessária nesse mundo de individualismo e ma fé. Nesse livro da Hazel Rowley por mais que ela tenha querido fazer um tributo maior à Simone, como ela mesmo afirma, também acabou caindo seduzida pelo baixinho e feio. Apesar do livro não se ater tanto ao pensamento filosófico de Sartre. Acho que ela se deteve mais nas memórias da Simone no momento em que redigia dando um ar de roteiro de filme, deixando de lado a essência do pensamento do Sartre e da Simone. No fim das contas até foi bom, pois eu acho que jamais encontrei um livro de algum escritor que comentasse tanto o machismo, no bom sentido para nós homens, como o fez a escritora do Tête-à-Tête. Redimiu a nossa condição de homem com o nosso machismo com todas as conseqüências contraditórias que ele (o machismo) traz sem que com isso retire a possibilidade de um grande amor. Como sempre afirmou a Simone de Beauvoir: “moravam separados mas nunca dormiram longe um do outro”.
Osmir